O auto-aborto só passou a ser previsto, ou seja, o crime de aborto provocado pela própria gestante no Código Penal de 1890, antes só se penalizava a conduta de terceiro, conforme descreve, Fernando Capez:
No Brasil, o código criminal do Império de 1830 não previa o crime de aborto praticado pela própria gestante, mas apenas criminalizava a conduta de terceiro que realizava o aborto com ou sem o consentimento daquela. O código Penal de 1890, por sua vez, passou a prever a figura do aborto provocado pela própria gestante. Finalmente, o Código Penal de 1940 tipificou as figuras do aborto provocado (CP, art. 124- a gestante assume a responsabilidade pelo abortamento), aborto sofrido (CP, art. 125- o aborto é realizado por terceiro sem o consentimento da gestante) e aborto consentido (CP, art. 126- o aborto é realizado por terceiro com o consentimento da gestante).[1]
Segundo, Previdelli Amanda, (2016), “O Aborto pode até ser ilegal no Brasil, mas todos os anos milhares de mulheres se submetem a procedimentos clandestinos e acabam morrendo por causa das complicações de saúde, ocasionada pelos métodos utilizados, como “Agulha de tricô, pedaço de arame, grampo, clipes. […]”[2], Muitos outros métodos são utilizados como a karmam que é um processo de aspiração, curetagem, micro cesariana, aborto Farmacológico e outros métodos como a introdução de sondas através do colo do útero,e muitas vezes fazendo coisas inimagináveis como um caso descrito por MAMMANA, que ocorreu na da década de 60:
Caso 55
O.L., 35 anos, casada, branca, italiana, residente no bairro da Bela Vista. Por quatro vezes, estando prenhe de 3 para 4 meses, conseguiu abortar, permanecendo de pé, todos os dias, por algumas horas, em frente de um fogão a lenha, mantendo o baixo ventre mui próximo do ponto em que o calor se fazia sentir mais intenso. O abôrto [sic] verificou-se sempre depois de 5 a 6 dias de práticas dêsse [sic] gênero.[3]
Como descreve Mammana, o aborto infelizmente está presente na vida de muitas mulheres, no livro, O Abôrto [sic] do referido autor ele cita 207 casos de mulheres que praticaram aborto de diversas maneiras, e sofreram graves lesões que as levaram a um final trágico, ou seja, a morte, sempre após muito sofrimento. Hoje em pleno ano de 2019, ou seja, as informações chegam a nossas residências em menos de minutos, sabemos tudo que acontece no mundo, ou seja, tanta tecnologia, com o advento da modernidade muita coisa poderia ter mudado, mas, infelizmente não mudou, vamos tomar, por exemplo, um caso descrito por ESQUERDA. NET:
“Mariana tinha 20 anos quando chegou ao pronto atendimento de um hospital particular do seu convênio médico em São Paulo com um aborto espontâneo e acabou sendo tratada como criminosa.” [4]·, Ao chegar ao hospital em busca de socorro, em seu desespero nunca poderia ter imaginado que ao invés de ser mais uma paciente para o Hospital, seria vítima de hostilidade sendo tratada como uma criminosa.
“Estava com dois meses de gestação, acordei uma noite com muita cólica e sangramento e corri para o hospital. Apesar de não estar mais com o pai do bebê e da minha família ter me dado a opção de fazer o aborto numa clínica, a minha religião me fez desconsiderar essa hipótese” conta. “Assim que cheguei ao hospital, sozinha, e comuniquei à recepcionista o que estava acontecendo, senti a conversa mudar. Ela passou a tratar-me com descaso e mesmo passando por uma hemorragia tive que esperar muito mais tempo do que os outros para ser atendida”. Mariana lembra que assim que entrou no consultório, o médico perguntou se ela havia provocado o aborto e, diante da negativa, continuou perguntando seguidas vezes. “Antes da curetagem também perguntou muitas vezes se eu não havia mesmo usado [5]nenhuma droga naqueles dias. Ele disse que eu estava com um aborto retido e que estava com uma grave infecção no útero. Fiquei vários dias internada no andar da maternidade e todas as vezes que saia no corredor, de cadeira de rodas, todas as mães, enfermeiras e atendentes olhavam-me com ar de reprovação. Já estava triste por ter perdido o bebê e ainda tive de passar por isso mesmo sem ter provocado nada”.
No caso de “Mariana” o aborto aconteceu de forma espontânea. O que é chamado por muitos médicos de seleção natural, o que seria facilmente comprovado se ela fosse atendida e examinada adequadamente, por um profissional competente, conforme relata Dr. Drauzio Varella apud Burlacchini Mario:
Com certeza, a seleção natural existe e esse é um argumento que utilizamos para consolar o casal diante da decepção da gravidez interrompida. Quanto mais precoce o aborto, maior a possibilidade de o feto não estar bem formado. Estudos mostram que em 60% das gestações que não ultrapassam a oitava semana, há alguma alteração genética, principalmente cromossômica, como a que está presente na síndrome de Down, por exemplo.[6]
Pode – se dizer que é uma rejeição natural, do corpo da mulher, uma proteção a espécie humana, para que os “homens” sejam saudáveis. Ou seja, desde que somos embrião só os mais fortes deve sobreviver, segundo as leis da natureza. Quantas “Marianas” chegam todos os dias aos hospitais do nosso País, em busca de socorro após um aborto espontâneo, mesmo que assim não o seja, não é motivo para serem tratadas com falta de respeito e até mesmo de humanidade pelos médicos e enfermeiros. Segundo a ESQUERDA. NET:
Apesar de o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) terem se colocado várias vezes contra a denúncia da paciente que provoca o aborto por parte dos médicos e do próprio Ministério da Saúde determinar em norma técnica que “Toda mulher em processo de abortamento, inseguro ou espontâneo, terá direito a acolhimento e tratamento com dignidade no Sistema Único de Saúde (SUS)”, o que se vê nos hospitais públicos e de convênios é o que relata Mariana, ou pior. “Diminuiu o número de mulheres que procuram o SUS por complicações de aborto e não é porque o número de abortamentos diminuiu. É porque os profissionais recebem essa mulher com julgamento, insultos, deixam-na sangrando por horas antes de internar e muitas vezes fazem os procedimentos sem anestesia que é ‘para aprender’” diz a socióloga integrante da Frente contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto Dulce Xavier.[7]
Analisando os fatos descritos por Esquerda Net, chega se a triste conclusão de que o numero de aborto no Brasil não diminuiu, pelo contrario, o que aumentou foi o medo, das mulheres em procurar socorro, nos hospitais do País. Segundo: o site Vila Verde:
Pesquisas indicam que todos os anos ocorrem no Brasil entre 750 mil a 1 milhão de abortos clandestinos, cujas complicações constituem a quarta causa de morte materna no país. Segundo dados oficiais, cerca de 250 mil mulheres são internadas por ano em hospitais da rede pública de saúde para fazerem raspagem do útero após aborto inseguro, a maioria é jovem e pobre. O Código Penal do Brasil, de 1940, considera o procedimento crime, excepto (sic) em duas situações: gravidez resultante de violação e risco de vida da mãe. Uma terceira possibilidade diz respeito ao aborto terapêutico para casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida, isto é, quando o feto apresenta má-formação severa ou acefalia.[8]
Pode se analisar no referido artigo publicado no Ano de 2007, conforme vem descrito que o aborto clandestino no Brasil era considerado a quarta causa de morte materna, infelizmente novas pesquisas realizadas no ano de 2014 relatam o triste resultado de que o aborto neste ano foi considerado a quinta maior causa de morte de mulheres, em nosso País. Ou seja, a cada dois dias, uma mulher morre por aborto clandestino, ou chamado de aborto inseguro.
Dentro dos Países da América Latina, Cuba e Uruguai são os únicos países que permitem o procedimento em quaisquer circunstâncias. Uma observação; em 30 de dezembro de 2020 a Argentina passou a permitir o aborto até as primeiras 14 semanas de gestação (https://pt.wikipedia.org)
È inegável que no Brasil o aborto não é questão de opinião e sim de saúde publica, conforme descreve Mariana Fusco Varella:
Porque as mulheres já abortam, independentemente do que pensemos. Segundo o IAG, Instituto Alan Guttmacher, entidade americana que estuda a questão do aborto no mundo, cerca de 1 milhão de mulheres abortam no Brasil todos os anos. As católicas e as evangélicas abortam; as loiras, as morenas, as afrodescendentes, as pobres, as ricas, as adolescentes, as casadas, as que saem com vários parceiros, as que tiveram apenas uma relação sexual na vida e as que são mães, também. E vão continuar abortando, pois a decisão de interromper uma gravidez é pessoal e envolve várias questões que não podemos controlar.[9]
Aborto segundo o descrito por Mariana Fusco Varella, não define uma mulher, ou seja, ela não pode ser classificada, rotulada pela sociedade como uma promíscua, cruel ou desumana, porque praticou um aborto. Antes de qualquer condenação devemos saber o por- quê, ou seja, toda ação tem uma reação, ou melhor, a mulher que faz uso do aborto, só o faz por um motivo, muitas vezes a melhor maneira de acabar com o problema e começar a atacar os motivos e não tentar resolver o problema propriamente dito. Buscar saber o que a levou a querer praticar um aborto, essa mulher tem capacidade física, econômica, psicológica para se tornar mãe. Muitas mulheres não nasceram com essa capacidade, infelizmente algumas mulheres podem até fazer uso do aborto corriqueiramente, como tentativa de controle de natalidade. Mas é uma exceção é não a regra.
Gostou do tema? se quiser conhecer um pouco mais sobre o assunto, convido a lê o meu livro, O ABORTO NO BRASIL; UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA (amazon.com.br), do qual retirei o texto acima, esse livro é de 2019, mais sem dúvida continua sendo um tema atual que requer muito conhecimento e sensibilidade para debatê lo.
[1]CAPEZ, 2003. p. 108.
[2]PREVIDELLI, Amanda. Entenda como funciona o aborto no Brasil e no mundo. [S.l.]: Revista Galileu,2016. Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2016/06/entenda-como-funciona-o-aborto-no-brasil-e-no-mundo.html>, acesso em: 04 ago. 2016.
[3] MAMMANA, 1969. p. 660.
[4] ESQUERDA.NET . Brasil: aborto clandestino é a quinta causa de morte materna. [S.l.]: Esquerda.Net, 2013. disponivel em: <http://www.esquerda.net/artigo/brasil-aborto-clandestino-%C3%A9-quinta-causa-de-morte-materna/29651>, acesso em: 04 ago. 2016.
[5]Id. Ibid.
[6]VARELLA, Drauzio. Abortos espontâneos. [S.l.]: Drauzio, 2011a. Disponível em <http://drauziovarella.com.br/mulher-2/abortos-espontaneos-2/>, acesso em 19 set. 2016.
[7]ESQUERDA.NET, 2013.
[8]VILA VERDE. Mundo: Lei do Aborto em outros países. [S.l.]: Vila Verde, 2007. Disponível em <http://vila–verde.blogspot.com.br/2007/01/mundo-lei-do-aborto-em-outros-pases.html>, acesso em 20 set. 2016.
[9] VARELLA, Mariana Fusco. Aborto: um problema de saúde pública. [S.l.]: Drauzio, 2014. Disponível em: <https://drauziovarella.com.br/para-as-mulheres/aborto-um-problema-de-saude-publica/>. Acesso em: 22 fev. 2017.