Olá,
Hoje, vou compartilhar mais um pedacinho do meu livro, UMA ANÁLISE CRÍTICA AOS 14 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS, 2020, fruto da minha Monografia Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Prático Contemporâneo. Da Universidade de Santa Cruz do Sul, para a obtenção do titulo de Especialista em Direito Penal e Processual Prático Contemporânea.
Peço licença, para agradecer novamente a brilhante orientação da Profa. Dra. Rosane Terezinha Carvalho Porto, muito obrigada, novamente, pelos preciosos minutos disponibilizados ao meu trabalho, serei sempre grata.
Em uma aprofundada pesquisa para rever como era tratado o crime de violência domestica, praticado contra as mulheres, dentro do seio familiar, antes da entrada em vigor da Lei de nº 11.340/06. Primeiramente antes de adentrar a nossa pesquisa, não, podemos deixar de mencionar, o que já esperamos ser sabido por todo o Mundo, ou seja, que por todo o Mundo as mulheres são alvo de violência seja em tempo de guerra ou de paz. Elas são atacadas, espancadas, mutiladas, violentadas, tendo até mesmo o seu direito de existir cerceado, sofrendo diversos tipos de atrocidades. E em muitas vezes são assassinadas, somente pelo simples fatos de terem nascido mulheres.
No Brasil antes da entrada em vigor da “Lei Maria da Penha”, os crimes de violência doméstica praticado contra as mulheres eram tratados, como sendo de menor potencial ofensivo, ou seja, sendo até mesmo beneficiados pela Lei nº 9.099 de 1995, a Lei dos Juizados Especiais a qual que quando muito, imputava ao agressor pena restritiva de direito de conteúdo econômico, que consistia basicamente em pagamento de uma simples cesta básica, mas de um modo geral era imputado ao agressor pagamento de multa. Entretanto podemos chegar ao consenso, ou seja, podemos dizer assim “era barato bater em mulher” (Dias, 2019).
Além do mais se a lesão fosse leve a ação conforme artigo 88 da lei 9.099/95 dependia de representação da vítima.
Conforme o artigo escrito, por, Isabela Pinto Magno Martins, em Portal da Educação:
Antes de 2006, a violência domestica era julgada como qualquer outro crime pela justiça comum. Quando procurava a delegacia para registrar a ocorrência, muitas vezes era desacreditada ou tinha seu sofrimento minimizado pelos policiais que quase sempre ainda lhe infligiam um atendimento sem o mínimo de sensibilidade. Ainda na delegacia ficava sabendo que era ela mesma quem deveria entregar a intimação ao agressor e quando o fazia geralmente era novamente espancada por ter dado a queixa. Quando o caso prosseguia e se chegava ao julgamento, a pena seria de no máximo um ano, em caso de lesões graves e mesmo nestes casos o agressor poderia responder com penas pecuniárias, que é o pagamento da “divida com a justiça” através de multas e entregas de cestas básicas. (MARTINS, 2008, <https://www.portaleducacao.com.br).
E por essa razão podemos afirmar que o homem tinha historicamente e culturalmente a liberdade para praticar atrocidades contra suas companheiras, ou seja, uma cultura machista que já vinha enraizada de berço há muitos séculos.
A violência contra as mulheres não era tratada como problema, outrossim, desencorajando as vítimas a denunciar as agressões sofridas, pois era sabido que a pena para o agressor eram brandas, e não trazia nenhum tipo de proteção, segurança para as vítimas. Desta forma, qual a mulher teria coragem de denunciar seu companheiro, e ser muitas vezes humilhada na delegacia, ouvindo, “alguma coisa você fez, para merecer”. Outro fato muito relevante é que a mesma era informada de que ela que faria a entrega da intimação para seu agressor, para com certeza ser agredida, espancada, humilhada, ainda mais.
Conforme descreve Maria Berenice Dias, em seu livro, A Lei Maria Da Penha na Justiça:
[…] Ela vai à policia em busca de um aliado, pois todas as tentativas que fez não lograram êxito, A mulher quando procura socorro, já está cansada de apanhar e se vê impotente.
De todo inadequado o tratamento disponibilizado à mulher que se dirigia à delegacia de policia na busca de socorro. Ouvida no balcão, na presença de quem lá estivesse, muitas vezes acabava sendo ridicularizada e até questionada sobre o que ela tinha feito para dar ensejo à reação do agressor.
Ou seja, a vítima era culpabílizada pela violência; era revitímizada. ( BERENICE, 2019, p.31).
Claro que isso sem sombra de dúvida contribuía ainda mais, para a impunidade deste tipo de crime, as vítimas sentiam se desencorajadas e temerosas em fazer a denúncia contra o seu companheiro/agressor, pois as mesmas tinham a certeza da impunidade e de que eles voltariam para casa, ou seja, após, serem denunciados ainda com mais ira, e as agressões cometidas contra elas, seriam ainda piores.
Sendo assim, apenas em 1980, que as coisas começaram a mudar, com o movimento feminista que essa discussão começou a aflorar em nosso País, fazendo com que tal problema começasse a ser discutido nas esferas públicas, ou seja, esse tema, que antes era um tabu, apenas debatido na esfera particular.
A Lei 11.340/2006 foi concebida para criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, ou seja, a então lei apenas traz em seu bojo, dispositivos complementares ao nosso Código Penal. Essa Lei especial, ou seja, a Lei Maria da Penha, não veio para criar novos tipos penais, ela vem apenas, para regular de forma pujante as condutas já tipificadas no nosso Código Penal, trazendo penas mais severas aos casos de violência contra as mulheres cometida no âmbito familiar. Para coibir que a violência venha ocorrer.
Ademais podemos dizer que houve um divisor de águas, que separa o antes da promulgação da Lei Maria da Penha onde o índice de violência praticada contra as mulheres eram elevadíssimos e o depois da sua promulgação no ano de 2006, ou seja, as mulheres que sofrerão algum tipo de agressão, cometida pelo seu companheiro antes da entrada em vigor da então lei especial.
Como foi o caso da própria Maria da Penha Maia Fernandes, a qual a lei leva seu nome. Onde as punições eram totalmente brandas, quando assim havia, ou seja, a mesma só viu seu agressor ser preso após pedir ajuda a CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos).
Conforme descrito no artigo denominado,O Caso Maria da Penha na Comissão de Direitos Humanos da OEA:
Passados mais de 15 anos do crime, apesar de haver duas condenações pelo Tribunal do Júri do Ceará (1991 e 1996), ainda não havia uma decisão definitiva no processo e o agressor permanecia em liberdade, razão pela qual Maria da Penha, o CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) enviaram o caso à CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos).
Em 2001, a CIDH responsabilizou o Estado brasileiro por omissão, negligência e tolerância. Considerou que neste caso se davam as condições de violência doméstica e de tolerância pelo Estado definidas na Convenção de Belém do Pará[…]. (COMPROMISSO, 2012,http://www.compromissoeatitude.org.br).
Conforme o disposto nesse artigo, podemos ver que o caso Maria da Penha foi o primeiro que teve a aplicação da Convenção de Belém do Pará, ou seja, O Caso Maria da Penha na Comissão de Direitos Humanos da OEA:
A utilização deste instrumento internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres e o seguimento das peticionárias perante a Comissão, sobre o cumprimento da decisão pelo Estado brasileiro, foi decisiva para que o processo fosse concluído no âmbito nacional e, posteriormente, para que o agressor fosse preso, em outubro de 2002, quase vinte anos após o crime, poucos meses antes da prescrição da pena. Entretanto, é necessário ainda, que o Estado brasileiro cumpra com o restante das recomendações do caso de Maria da Penha. É de direito o que se reivindica e espera que ocorra. ( COMPROMISSO, 2012,http://www.compromissoeatitude.org.br).
Maria da Penha, somente viu seu agressor ser preso em 2002, após quase vinte anos de ocorrido as tentativas de homicídio, (hoje feminicídio), faltando poucos meses para o crime prescrever.
Ela era uma mulher instruída, o que não a protegeu de ser agredida por seu ex-marido, e que apenas com a ajuda de seus familiares, pode buscar por proteção e justiça, infelizmente isso não, pode acontecer antes, ou seja, antes da mesma ter sofrido duas tentativa de homicídio/ Feminicídio e carregar sequelas tão graves em seu corpo que a fizeram parar de caminhar. E quantas outras Marias, infelizmente não tiveram a mesma sorte, não conseguirão ajuda, e morreram com o grito de socorro entalado na garganta, por completa negligência do Estado.
Antes da promulgação da Lei Maria da Penha, Conforme descreve Maria Berenice Dias, em seu livro, Diversidade Sexual E Direito Homoafetivo:
Antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, o Brasil liderava o ranking mundial de violência contra a mulher, segundo dados da Sociedade Mundial de Vitimologia: (i) a cada 4 minutos uma mulher é agredida, em seu próprio lar, por uma pessoa com quem mantém relação de afeto; (ii) a maioria das vitimas tem entre 18 e 42 anos; (iii) essa violência corresponde a 70% dos casos registrados e ocorre em todas as classes sociais(Pessoa, 2006:44).(DIAS, 2014, p. 404-405).
Dessa Forma, com a entrada em vigor da nova Lei 11.340 em 2006, ou seja, a Lei Maria da Penha, que veio a regular de forma mais energética as condutas já tipificadas em nosso Código Penal, excluindo os institutos despenalizadores, criando medidas cautelares de natureza penal, onde o Juiz tem a possibilidade de decretar o afastamento do lar para o agressor, ou seja, punindo de forma mais severa, inclusive com medidas protetivas, prisão em fragrante e prisão preventiva. Trazendo interdisciplinaridade, ou seja, regras de direito processual civil e direito civil, como consequencias desse ato ilícito.
Além do mais as Delegacias passaram a ter Policiais com formação de acolhimento, ou seja, acolhendo as mulheres, fazendo a sua oitiva sem julgamento, fornecendo apoio, o que não acontecia antes, onde elas eram desacreditas e seus problemas eram minimizados. Trazendo também o prazo de 48 horas para deferir medidas protetivas. E como o Estado não pode proteger a mulher 24 horas por dia, por esse motivo a grande relevância da criação das casas abrigos, que antes de 2006 também não existia (DIAS, 2019).
Infelizmente a discrepância e gritante entre o antes e depois, da entrada em vigor da Lei Maria da Penha e só nós resta lamentar, que em nosso País a lei não retroaja “in malam partem”.
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